Folha de São Paulo
– O ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos morreu aos 79 anos na
manhã desta quinta. A informação foi confirmada pela família.
Ele estava internado há alguns dias no
hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para tratamento de problemas no
pulmão. O boletim médico apontou “descompensação de fibrose pulmonar”.
Desde o mês passado, o ex-ministro
apresentava tosse e um pouco de fraqueza. Na semana passada, ele fez uma
viagem de trabalho aos Estados Unidos e na volta apresentou um quadro
de embolia, que chegou a afetar seu coração.
Márcio Thomaz Bastos foi o mais influente
advogado de uma geração de famosos criminalistas que participou
ativamente do processo de redemocratização do país. Trocou uma
bem-sucedida banca de advocacia pelo cargo de ministro da Justiça no
primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da
República.
Conheceu o então líder sindical em 1979,
numa palestra no ABC. Apoiou sua candidatura, sustentando que um
operário não somente podia, como devia ser Presidente.
Deixou o governo em 2007, no começo do segundo mandato de Lula. Passou a trabalhar em parcerias com advogados amigos.
Vestiu a beca na ação penal do mensalão,
defendendo um diretor do Banco Rural e liderando um grupo de notáveis
defensores que não conseguiu evitar que o Supremo remetesse lideranças
do Partido dos Trabalhadores, dirigentes de partidos da base aliada,
publicitários, empresários, entre outros, para a prisão de Papuda, no
Distrito Federal.
Foi apontado como o inspirador da tese de
que o mensalão seria apenas caixa dois de campanha eleitoral. Mais
recentemente, articulava a defesa das empreiteiras Odebrecht e Camargo
Corrêa, envolvidas no escândalo daOperação Lava Jato, que investiga o pagamento de suborno na obtenção de contratos com a Petrobras.
Nos últimos dias, o ex-ministro driblou
os médicos e chamou advogados de sua equipe envolvidos no caso para
despachar no hospital Sírio-Libanês. Levou uma bronca da família.
“Eu defendo os meus clientes da culpa
legal. Julgamentos morais eu deixo para a majestosa vingança de Deus”,
afirmou em 2009, citando o criminalista norte-americano Edward Bennett
Williams.
DITADURA, DIRETAS, IMPEACHMENT
Márcio Thomaz Bastos nasceu em 30 de
julho de 1935. Estudou em escolas e públicas e formou-se advogado pela
Faculdade de Direito da USP, na turma de 1958.
Era chamado de “God” [Deus] por advogados
amigos. Nos anos 70, atuando em júris, tinha o apelido de “Menino
Jesus”. Entre familiares, era o “Grilo Seco”. Um amigo de Cruzeiro (SP),
sua terra natal, referia-se ao criminalista como “Bico Doce”.
Elegante nos gestos e nos trajes, o filho
do médico José Diogo Bastos e de Salma, descendente de libaneses,
iniciou sua trajetória política em 1964, como vereador em Cruzeiro (SP),
pelo Partido Social Progressista, partido do governador paulista Ademar
de Barros (aquele que inspirou o lema popular “rouba mas faz”).
Thomaz Bastos apoiou o golpe militar.
Foi presidente da OAB-SP (1983-1985),
onde se aproximou dos movimentos sociais. Participou das “Diretas-Já” e
atuou na OAB Nacional (1987-1989) no período da Constituinte. Em 1990,
integrou o governo paralelo criado pelo PT após a eleição de Fernando
Collor de Mello. Com o jurista Evandro Lins e Silva, participou da
redação da petição que resultou no impeachment de Collor.
Em 1996, defendeu movimento da OAB para
cobrar dos candidatos a divulgação dos financiadores de suas campanhas
eleitorais. Anos depois, seu escritório atenderia grandes financiadores
de políticos.
Thomaz Bastos dizia que entraria para a
história como o ministro que fez a reforma do Poder Judiciário e que
promoveu uma revolução na Polícia Federal.
Quando foi ministro da Justiça, doze
famosos criminalistas lançaram manifesto público condenando as chamadas
operações pirotécnicas da Polícia Federal.
Uma portaria que assinou não evitou a exposição midiática nas diligências da PF.
Thomaz Bastos é um dos fundadores do IDDD
– Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Mas atuou na acusação do
cantor Lindomar Castilho, do jornalista Pimenta Neves e dos assassinos
de Chico Mendes.
Defendeu acusados de corrupção, atentado
violento ao pudor, corrupção, sonegação fiscal, assassinato, tráfico e
uso de drogas. Não atuou na defesa de presos políticos.
O advogado também ficou conhecido como adepto do direito da defesa bem remunerada, qualidade admitida por parentes e amigos.
“Por quanto o senhor se vendeu?”,
perguntaram a Thomaz Bastos, num programa de televisão, sobre os
honorários que recebera, em 1985, do empresário Mario Garnero, do grupo
Brasilinvest. Garnero foi acusado de provocar um rombo nos cofres
públicos naquele que teria sido o primeiro grande escândalo financeiro a
irrigar grandes somas para escritórios de advocacia.
“Eu respondi que estava cumprindo o meu
dever, o sagrado direito de defesa”, afirmou em 2009 ao jornalista Luiz
Maklouf Carvalho, para reportagem na revista “Piauí.
A primeira causa que o enriqueceu,
segundo Maklouf, foi a de Ivo Morganti, em 1982, na qual defendeu a
viúva e o filho do fazendeiro e usineiro, acusados de assassiná-lo.
O advogado foi defensor, entre muitos
outros famosos, de Antônio Carlos Magalhães, do bispo Edir Macedo e da
ex-prefeita Luiza Erundina.
Indicou vários ministros para o STF. Poderia ter sido membro do Supremo.
“Não tenho vocação de juiz. Eu nunca ia ser um bom juiz. Eu sou parcial. Eu escolho lado. Não tenho aquela distância dos fatos.”
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