Qualquer despedida de uma figura global costuma ser uma dança diplomática. Tensa. Marcada por gestos habilidosos em busca de entendimentos.
O funeral de Nelson Mandela não foi diferente. Entre os cerca de cem chefes de Estado ou governo atuais ou aposentados, muitos amigos e vários inimigos estiveram presentes.
Talvez o gesto mais notável, coerente com o espírito de conciliação de Mandela, tenha vindo de Barack Obama.
O aperto de mão com o presidente de Cuba, Raúl Casto, foi quem sabe um gesto deliberado em um momento em que emerge a perspectiva de descongelamento das relações entre os Estados Unidos e a Cuba comunista, após mais de meio século de hostilidades.
Rivais franceses
Com o mesmo espírito de celebração do legado de Mandela, o atual e o ex-presidente da França, os conhecidos rivais François Hollande e Nicolas Sarkozy desembarcaram juntos.
Mas não se pode disfarçar inteiramente o mal-estar. Sarkozy recusou a confortável carona no avião presidencial de Hollande. No estádio, os dois ficaram lado a lado. Sentaram-se encabulados, quase sempre olhando em direções opostas.
Muitos países enviaram delegações múltiplas, refletindo a influência emblemática de Mandela ao redor do mundo.
Quatro primeiros-ministros britânicos estavam lá - David Cameron, Gordon Brown, Tony Blair e John Major. É a primeira vez em muitos anos que todos os ex-chefes de governo da Grã-Bretanha viajaram juntos para o mesmo evento.
Do Brasil, a presidente Dilma Rousseff viajou acompanhada dos ex-presidentes Lula, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor de Melo.
Os Estados Unidos também mandaram uma delegação formidável - além de Obama, foram o ex-presidentes George W. Bush, Bill Clinton e Jimmy Carter, com suas mulheres.
Ausências
Tão interessante quanto as presenças foram algumas ausências notáveis.
O prêmio Nobel da Paz Dalai Lama não compareceu. Não foi surpresa, já que ele teve por duas vezes o visto negado para a África do Sul, uma amostra da preocupação do país em não irritar Pequim. A China, aliás, foi representada pelo vice-presidente Li Yuanchao.
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o presidente do país, Shimon Perez, também preferiram ficar em casa - alegaram custos, segurança e questões de saúde.
A razão real, para Netanyahu, pelo menos, foi o temor de protestos contra Israel em meio à multidão. Além dos antigos laços de Israel com o regime do apartheid, também há um grande apoio à causa palestina na África do Sul.
Outros líderes se abstiveram por outras razões.
O presidente do Sudão, Omar al-Bashir, não compareceu para “evitar complicações”, segundo diplomatas sudaneses. Ele é procurado pelo Tribunal Penal Internacional.
O novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, também não foi. Teerã mandou o vice-presidente. Após a repercussão com o telefonema inédito a Obama, a possibilidade de encontrar o presidente americano e protaganizar um aperto de mão poderia causar ainda mais problemas.
Supresa também o a ausência do presidente ou do primeiro-ministro da Rússia, dado o longo histórico de apoio da ex-União Soviética ao Congresso Nacional Africano, partido de Mandela.
Estaria Vladimir Putin ocupado? O presidente deve fazer o pronunciamento anual à nação na quinta-feira.
Putin se apressou, no entanto, a assinar o livro de condolências em Moscou e comparou Mandela a Gandhi.
Já o primeiro-ministro tcheco, Jiri Rusnok, passou por uma situação constrangedora. Um microfone captou uma conversa na qual ele reclamava de viajar à África do Sul, dizendo que isso iria bagunçar sua agenda. Ele também disse que a possibilidade de ir lhe “dava arrepios”.
Rusnok teve de pedir desculpas depois, mas o estrago estava feito. Ele acabou mandando seu ministro das Relações Exteriores.
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