ELIANE CANTANHÊDE E ANDREZA MATAIS – O ESTADO DE S. PAULO
BRASÍLIA – Setores de inteligência do
governo brasileiro detectaram tentativas de cooptação de jovens no País
pelo Estado Islâmico (EI) para atuar como “lobos solitários” –
extremistas que, por não integrar as listas internacionais de
terroristas, têm mais mobilidade e são capazes de fazer atentados
isolados e imprevisíveis em diferentes países.
O Estado apurou que o Palácio do Planalto
recebeu relatórios de órgãos diferentes alertando para o problema – um
deles, chamado “Estado Islâmico: Reflexões para o Brasil”. Os órgãos de
inteligência vêm trocando informações e a Casa Civil assumiu a
coordenação das discussões internas sobre a questão no contexto dos
preparativos da Olimpíada de 2016.
Um dos objetivos dos relatórios é alertar
a presidente Dilma Rousseff de que, apesar da tranquilidade até agora
do governo brasileiro, há um “fator de risco” que não pode ser
desprezado. Envolvidos na discussão dizem que “a luz amarela está
acesa”. Fontes envolvidas afirmaram à reportagem que o tema foi alvo de
discussão na última semana na Casa Civil.
Participaram representantes de nível
operacional do Ministério da Justiça e do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), da Polícia Federal e da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin).
Pelas investigações, apesar de o Brasil
não ter histórico de terrorismo, o interesse do EI é ampliar o espectro
de recrutamento de novos militantes, hoje concentrado na Europa, para a
América do Sul. Policiais europeus já estiveram em Brasília no mês
passado para troca de informações com o governo brasileiro.
Temor. Há grande
preocupação principalmente com os Jogos Olímpicos do próximo ano. O
evento reunirá no Rio de Janeiro não apenas jovens de todas as regiões
brasileiras, mas também atletas e visitantes do mundo inteiro. A
avaliação dos órgãos de inteligência é que “o maior risco para o evento
hoje são as manifestações e greves; a maior preocupação é o terrorismo”.
O assunto é tratado sob sigilo pelos órgãos envolvidos. O governo não
quer chamar a atenção para esse tipo de movimentação, já que a
arregimentação do EI tem sido bem sucedida, sobretudo na Europa.
A estratégia do governo é se antecipar,
detectando as formas de cooptação, identificando as origens e mapeando
alvos suscetíveis. A abordagem não é voltada diretamente aos jovens, mas
às famílias, e é considerada de caráter preventivo.
Um dos obstáculos apresentados pela PF e
pela Abin a seus superiores é a inexistência de uma legislação
específica para esses casos. Sem uma lei de combate ao terrorismo, os
órgãos de inteligência, até mesmo a Divisão Antiterrorismo da PF, têm
grandes limitações para fazer interceptação cibernética.
Um dos documentos, segundo relatos,
destaca a preocupação do Brasil com o EI e com a influência dos
jihadistas sobre os jovens, já que o grupo tem uma estratégia poderosa
de mídia para cooptação: a divulgação de vídeos com homens encapuzados
degolando e até queimando pessoas vivas.
Apesar do efeito chocante em adultos, os
serviços de inteligência internacional avaliam que isso pode criar
“fantasias heroicas” no imaginário juvenil. É por isso, por exemplo, que
setores do governo defendem não usar a expressão “lobo solitário”,
usada nos EUA, que ajuda a dar aura “cinematográfica” a terroristas que
são cruéis.
Os chamados “lobos solitários” são
arregimentados principalmente por redes sociais e fóruns jihadistas na
internet e agem sozinhos, a partir de interpretação deturpada do
Alcorão.
Em outubro, um “lobo solitário” matou um
soldado e invadiu o Parlamento do Canadá antes de ser morto por um
funcionário do Legislativo. O terrorista deixou mensagens atribuindo a
ação ao EI.
No Brasil, segundo apurou o Estado, pouco
mais de dez brasileiros convertidos foram identificados utilizando
redes sociais para tentar influenciar sírios que saíram de áreas
conflagradas e moram no País para engrossar o EI. O número é considerado
alto.
As investigações demonstraram que esses
brasileiros não pretendem deixar o País, mas causam preocupação pelo
efeito que podem ter sobre os refugiados. Em razão da ausência de
legislação, o grupo é apenas acompanhado com discrição pelos órgãos de
inteligência.
Casa Civil diz que assunto não foi debatido em reunião
A Casa Civil afirmou, em nota, que a
“prevenção ao terrorismo” foi tratada na reunião do grupo de trabalho de
segurança pública em grandes eventos, coordenado pelo ministério, na
semana passada. Sobre a informação da cooptação de brasileiros pelo EI, o
ministério afirmou que “não fez parte da reunião, tampouco foi
distribuído qualquer relatório específico”. O grupo foi responsável pela
segurança na Copa e inclui Forças Armadas, Polícia Federal (PF),
Polícia Rodoviária Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Exército, Abin e PF não se pronunciaram.
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