Coluna semanal do portal gaditas
A notícia de que marcianos haviam chegado à terra e estavam invadindo Nova Jersey (USA) foi transmitida com imenso realismo pela rádio CBS no dia 1º de novembro de 1938 (dia das bruxas). Milhares de pessoas entraram em pânico e começaram a fugir de suas casas ao ouvir os boletins, narrados por Orson Wells. Tudo não passava da leitura dramatizada do texto de “A Guerra dos Mundos”, um clássico da ficção cientifica de H.G.Wells. A ideia, a apresentação e o terror causado pelo locutor, roteirista e cineasta americano levaram-no ao topo da fama e valeu-lhe muito dinheiro.
A Rádio Difusora do Maranhão se notabilizou pela qualidade do seu quadro funcional e ousadia de seus dirigentes. Sempre esteve à frente dos concorrentes não só pelos temas enfocados mas, sobretudo, porque ali se trabalhava por idealismo, com seriedade e muito amor. Quando inauguramos a televisão não existia vídeo-tape nem os satélites para importar programas de emissoras do Rio e São Paulo. Tudo era feito ao vivo: novelas, teatro, shows musicais, esporte e jornalismo, exceção feita apenas aos filmes chamados, à época, de enlatados.
Esta megaestrutura inspirou a direção artística da rádio a radiofonizar a Guerra dos Mundos no Maranhão. Mutatis mutandis o cenário de 1978, em São Luís, era idêntico ao de Nova Jersey nos idos de 1938. Sob a regência de Bernardo Almeida, Genes Soares, Sergio Brito, Fernando Souza e sonoplastia de Elvas Ribeiro (Parafuso), de surpresa, War of the Worlds (Guerra dos Mundos) foi ao AR no primeiro domingo de setembro. Toda a equipe de jornalismo, repórteres carros de reportagens externa e locutores especializados foram mobilizados.
A primeira notícia foi transmitida por J. Alves, do carro de externa, e dava conta de que seres extraterrestres estavam pousando suas naves espaciais no Campo de Perizes (Perdizes). Daí em diante os boletins eram lidos a cada instante dando conta de bombas que explodiam em outras localidades já invadidas e dominadas. O avanço dos alienígenas e a credibilidade da rádio foram conduzindo a população ao medo e, num crescendo, ao pânico. Pessoas desesperadas ligavam para parentes e amigos em busca de esclarecimentos e conforto. Famílias iniciavam o abandono das casas.
Como estávamos em pleno regime ditatorial, alguém recorreu ao comandante do 24º Batalhão de Caçadores que estava em São Bento. Imediatamente foi providenciada uma aeronave para o retorno do Comandante à base. Enquanto isso eu estava sendo chamado para comparecer, com urgência, a Difusora. Logo na saída de casa observei a agitação nas ruas tendo a premunição de que algo estranho estava ocorrendo, acelerei o carro e já nas proximidades do portão fui impedido de prosseguir. Soldados faziam um cordão de isolamento para que ninguém entrasse ou saísse do prédio. Após me identificar fui levado à presença do Coronel Comandante que uniformizado para combate, ele e toda a tropa, estava à frente das ações como que se preparando para a guerra. Sem me dar chance de falar foi logo informando que todos estavam presos e que determinara o lacre da Rádio.
Iniciou-se uma longa e melindrosa negociação. Argumentei que se tratava da apresentação de obra de ficção científica; que uma das funções do rádio era a propagação de cultura, além de que, não poderíamos prever tamanha repercussão junto a sociedade. Os argumentos eram válidos mas tínhamos em nosso desfavor o fato de estarmos falando a um oficial autoritário triplamente frustrado: primeiro pela perturbação da ordem haver ocorrido na área sob seu comando; segundo porque havíamos driblado a censura e, finalmente, porque a guerra não existiu.
Como o tempo é o senhor da razão, o povo foi se acalmando e os ânimos exaltados dos militares arrefecendo lentamente. Por volta das 18 horas já se via alguns sorrisos amarelos que foram progredindo até chegar às gargalhadas ao final da noite. Era o momento para concluir as negociações, liberar os detidos e normalizar a programação das duas emissoras já que a Televisão também estava interditada. Fazia-se necessário encontrar uma saída honrosa para o aparato militar exposto à curiosidade popular. Criou-se o pretexto de que a tranquilidade deveria ser reestabelecida imediatamente com a televisão divulgando notas esclarecedoras dentro da programação normal. O coronel retirou a tropa e liberou dos envolvidos, que responderiam em liberdade, mas a emissora de Rádio permaneceria lacrada até segunda ordem.
O sucesso de audiência foi absoluto, mas o episódio ensejou a abertura de um longo processo, do qual se utilizaram inimigos e desafetos, visando a cassação das nossas outorgas de rádio e televisão. Foi uma luta árdua, durou dez anos, finalmente vencida quando o Governo Federal renovou as nossas licenças.
Em 2005 o cineasta Steven Spielberg lançou uma adaptação da imortalizada obra para o cinema com a participação do não menos famoso ator Tom Cruise.
Minhas homenagens à equipe da Difusora que teve a coragem de ousar e alcançou o maior sucesso do rádio maranhense.
*Dr. Magno Bacelar é advogado e exerceu os cargos de deputado estadual, deputado federal, senador da república, vice-prefeito de São Luís e prefeito de Coelho Neto.
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