O Globo -
O acordo judicial entre o governo do estado do Maranhão e as empresas
UTC e Constran para pagamento de um precatório de R$ 113 milhões
resultou numa “comissão” de R$ 10 milhões, segundo depoimento do doleiro
Alberto Youssef, que intermediou a operação. No depoimento de acordo de
delação premiada, Youssef afirmou que R$ 3 milhões foram pagos a João
Guilherme Abreu, que na época era chefe de gabinete da Casa Civil no
governo de Roseana Sarney. O doleiro disse não saber se Abreu consultou
Roseana e se dividiu o valor da propina com mais alguma pessoa.
Youssef ficou com R$ 4 milhões a título
de comissão, que foram pagos em dinheiro na sede da empresa UTC. O
doleiro contou que o dinheiro de Abreu foi levado em partes. Duas
parcelas de R$ 800 mil foram levadas pelos emissários Adarico Negromonte
e Rafael Angulo, além de um terceiro cujo nome não se recorda. Todos
foram em voos comerciais. A outra parcela de R$ 1,4 milhão, foi levada
pessoalmente por Youssef justamente na data de deflagração da Operação
Lava Jato, quando ele foi preso num hotel em São Luís, a capital do
Maranhão. Desta vez, o doleiro viajou em jato fretado.
Youssef deu detalhes da entrega do
dinheiro. Contou que recebeu um telefonema no quarto do hotel e a pessoa
afirmou que era “engano”. Desconfiado, retornou a ligação e descobriu
que o telefone era da Polícia Federal em Curitiba. Foi então até o
quarto de Marcos Antonio Ziegert, assessor da Casa Civil que já conhecia
e que havia lhe apresentado Abreu, e entregou a ele a mala com o
dinheiro e uma caixa de vinhos para presentear o chefe da Casa Civil. Em
seguida, retornou a seu quarto e decidiu não fugir: ficou à espera da
Polícia Federal.
Youssef disse que a operação não foi
irregular, pois Abreu fez apenas um gesto de “boa vontade” ao pagar o
precatório em 24 prestações,pois havia interesse do Maranhão em liquidar
a dívida. Disse que foi contratado pela UTC porque conseguiu adiantar o
pagamento da dívida, que poderia levar alguns anos para ser paga e que o
governo do estado tinha ainda precatório do Banespa, atual Santander,
que foi pago nos mesmos moldes.
O precatório da UTC/Constran foi retirado
da lista de pagamento por ordem judicial e Youssef afirma que essa
manobra teria sido feita pelo governo do estado para obter certidões.
Sobre outros precatórios que estavam na fila para pagamento, à frente do
precatório da UTC/Constran, ele disse que não sabe e que quem deve ser
questionado é Abreu.
Youssef afirmou que o pagamento do
precatório foi decidido numa reunião com Abreu, a contadora Meire Poza e
uma procuradora do Estado do Maranhão que ele não se recorda o nome.
Para o doleiro, havia interesse do Maranhão em pagar a dívida e lembrou
que o Ministério Público também esteve presente no fechamento do acordo
judicial de pagamento à UTC/Constran. Por isso, ele disse acreditar que a
homologação do acordo não teve ilegalidade, uma vez que havia
promotores presentes.
Abreu ficou com R$ 3 milhões e Youssef
com R$ 4 milhões. O doleiro afirmou que a comissão a ser paga pelas
construtoras era de R$ 10 milhões, mas no depoimento não é dito ou
perguntado sobre a diferença de R$ 2 milhões.
Youssef afirma que ficou sabendo da
dificuldade das empreiteiras em receber a dívida do governo do Maranhão
numa reunião na sede da UTC da qual participaram dos diretores da
empresa, Walmir Pinheiro e Augusto César Pinheiro. Segundo eles, as
empresas iriam transferir o precatório a terceiros com um deságio
superior a 50%, pelo valor de R$ 40 milhões.
O doleiro sugeriu entrar na negociação
constituindo um fundo de capital para comprar o precatório, com a
participação do Instituto de Previdência do Maranhão. Soube então que o
instituto não poderia fazer o negócio, pois estava impedido de adquirir
este tipo de papel (precatórios) do estado do Maranhão.
Youssef intermediava negócios com fundos
de previdência de servidores de estados e municípios. Um dos citados na
Lava Jato é o Instituto de Previdência de Petrolina (IGEPREV), dos
servidores municipais, que teve prejuízo por investir quase R$ 1 milhão
na Marsans, uma das empresas de Youssef.
O doleiro se especializou em criar fundos
de investimentos em empresas de fachada. Fundos de pensão e institutos
de previdência compravam estes papeis. Como os negócios não vingavam,
tinham prejuízo. Essa era uma forma de desviar dinheiro dos fundos de
pensão que ainda está sendo investigada pela Polícia Federal.
Imagens que mostraram Youssef entregando a
mala de dinheiro a Marcos Antonio Ziegert já tinham sido obtidas pela
Polícia Federal. No depoimento, prestado em novembro passado, o doleiro
contou quem era o destinatário final. O depoimento sobre o Maranhão é
Termo de Declarações de número 51 feito pelo doleiro. Cada tema
perguntado pela Polícia Federal e pelos procuradores é alvo de um Termo
de Declarações. No caso do Maranhão, o documento passou a integrar o
processo não sigiloso porque Roseana Sarney já não dispõe de foro
privilegiado.
“É certo que os indícios de crime ora
relatados foram encaminhados ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça em
vista da possível participação da então governadora Roseana Sarney.
Ocorre que a referida pessoa não mais ocupa o cargo de governadora, não
mais detendo, portanto, foro por prerrogativa de função”, afirmou o juiz
Sérgio Moro, da 13ª Vara federal do Paraná, que centraliza
investigações da Lava-Jato que não envolvem políticos, na decisão que
compartilha o depoimento de Youssef a pedido da Secretaria de
Transparência e Controle do Maranhão, que argumenta necessidade de
estancar possíveis irregularidades.
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